Figura 1: A questão da autoridade - Matrix (1999)
Nesta cena Neo está diante do dono da empresa onde trabalha.
Ele foi chamado pelo empresário porque tinha um problema de autoridade, que se
relacionava ao fato de ele chegar atrasado no local de trabalho.
No diálogo, o empresário se dirige a Neo para afirmar que ele tem um problema com autoridade. Ele continua dizendo
No diálogo, o empresário se dirige a Neo para afirmar que ele tem um problema com autoridade. Ele continua dizendo
Esta é uma das maiores empresas de software do mundo...
porque cada funcionário entende que faz parte de um todo. Logo, se um
funcionário tem problema, a empresa tem problema. Chegou a hora de fazer uma
escolha, Sr. Anderson. Ou você escolhe estar na sua mesa no horário a partir de
hoje... ou você escolhe achar outro emprego. Eu fui claro? (Matrix, 1999)
Estamos desde o início defendendo a ideia de que a língua e
a linguagem são instância de controle do pensamento, conforme a hipótese
Sapir-Whorf. Considerando as diversas linguagens e as diversas variantes da
língua, impõe concluir que para o domínio do pensamento, é escolhida somente
uma linguagem e uma variante como detentora da ideologia dominante. Em Matrix
(1999) esse controle e policiamento social aparece nessa cena. No caso da
linguística, os estudos sobre linguagem se concentram mais no fenômeno da fala
(Votre, 2003), mas na escola há uma superioridade da linguagem verbal escrita e
da variante linguística da classe dominante tem sido mantida por diversos
mecanismos. Um deles é também através da autoridade. Votre (2003), em
Relevância da variável escolaridade, faz um estudo sobre o prestígio social das
construções frasais e vocabulares prescritas pela norma e sua relação de poder
com as variantes estigmatizadas. O autor afirma que “há consenso em que o
professor de língua materna é o profissional da linguagem encarregado de
prescrever e controlar o domínio da norma, nas atividades de produção de texto
e retextualização” (Votre, 2003: 52). A cena descrita em Matrix refere-se a
padrões sociais, mas nos permite falar em padrões linguísticos, onde o
professor aparece como peça fundamental na manutenção do sistema de controle da
norma vigente. Ao manter a linguagem sob controle, quer o professor (consciente
ou não) manter o controle da forma de pensar, afinal de contas ao defender o
prestígio de determinada forma o professor está reforçando a ideia de que
outras formas são inferiores e por isso indignas de serem utilizadas. Assim
como o atraso de Neo devia ser punido com a demissão, “os erros são concebidos
como males que devem ser extirpados da comunidade discursiva” (Votre, 2003). A
escola, segundo o autor se põe na mesma linha do professor valorizando formas
de prestígio. Ela é o ambiente que abriga a gramática prescritiva no sentido de
perpetuar a aquisição das formas de prestígio e erradicar as formas sem
prestígio. O autor nos alerta que o “ensino descritivo naturaliza como boas as
formas de prestígio e as descreve em detalhes e circunstância, deixando no
limbo as características estruturais das formas a serem evitadas (Votre, 2003).
Está bem clara aqui a ideia de silenciamento e de monopólio linguístico,
aparentemente pretendido pela gramática normativa. Em uma cena de Matrix (1999)
essa relação de autoridade e controle para a dominação de somente uma ideologia
aparece muito forte.
Figura 2: Silenciamento - Matrix (1999)
Nesta cena, Neo é interrogado por Agentes sobre seu
conhecimento a respeito de Morfeu, mostrando rebelde e indiferente ao controle
e autoridade dos mesmos. No diálogo, o Agente diz a respeito de Morfeu
Ele é considerado pelas autoridades... como o homem mais
perigoso que existe. Os meus colegas... acham que estou perdendo o meu tempo
com você. Mas acho que você deseja fazer a coisa certa. Nós queremos apagar
tudo isto... te dar um novo começo. Tudo que pedimos em troca para levar um
conhecido terrorista à Justiça (Matrix, 1999).
Se utilizarmos esse diálogo como alegoria para a relação
entre professor e aluno, a discussão será proveitosa. Veja que a noção de
silenciamento do diferente, do não normativo, do não padrão aparece em “nós
queremos apagar tudo isto... te dar um novo começo”, que pode ser utilizada
para se referir ao conhecimento prévio que o aluno tem da linguagem e seu uso.
Votre (2003) fala em estigma, termo utilizado também para se referir à
crucificação de Jesus Cristo como subversivo, uma espécie de terrorista intelectual,
comparado com Barrabás. O Agente convida Neo a entregar Morfeu, como o
professor convida o aluno a se separar de sua variante linguística natural.
Numa atitude consciente, Neo usa a ironia para responder
Sim. Parece um trato muito bom. Mas acho que tenho um
melhor. Que tal...
eu te mostrar o dedo... e você me dar o meu telefonema?
(Matrix, 1999).
A rebeldia de alguns falantes em continuar utilizando sua
variante linguística natural e de resistir provoca reações das mais variadas
nos professores, mas a mais comum é punir, tal qual faz o Agente. Neo reclama o
seu direito a um telefonema e o Agente diz
de que adianta um telefonema... se você não consegue falar?
Você vai nos ajudar,Sr. Anderson... quer você queira... ou não (Matrix, 1999).
Neo tem seus lábios colados, impedindo-o de se pronunciar. Ele revela profunda angústia quando percebe que não pode utilizar sua voz, assim como ocorre com os alunos ao perceberem que sua variante não é bem vinda na escola e que deve ser silenciada. Num plano mais amplo é possível utilizar essa alegoria para falar sobre a relação entre línguas, em que há o domínio de uma sobre outras, ou até mesmo sobre o domínio de uma cultura sobre outra, que decorre dessas relações.
ResponderExcluirNesse sentido então, o linguista é uma espécie de Morfeu, cuja missão é livrar o pensamento das armadilhas da linguagem. O linguista investiga a língua, objetivando entender as relações sociais e de poder escondidas nos processos de interação linguística.
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